Pousada Garoa: MP entende que indiciados assumiram risco por incêndio com 11 mortes em Porto Alegre
28/01/2025
Promotor afirma que indiciados assumiram conscientemente risco de incêndio. Caso aconteceu em 26 de abril de 2024, em Porto Alegre, e, além das vítimas, deixou 15 feridos. Três pessoas são indiciadas pelo incêndio da Pousada da Garoa
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) solicitou à Justiça nesta terça-feira (28) a declinação de competência no caso do incêndio da pousada Garoa, ocorrido em 26 de abril de 2024, em Porto Alegre, que deixou 11 mortes e 15 feridos.
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O motivo é que o promotor responsável pelo caso entendeu que há elementos de dolo eventual nas causas das mortes, ou seja, os indiciados teriam assumido conscientemente o risco do incêndio. A Polícia Civil havia concluído o inquérito com os indiciamentos por incêndio culposo porque os indiciados não teriam assumido o risco do resultado, mas foram "omissos" e "negligentes" em não adequar a pousada, no caso do dono, e em não reportar as irregularidades, no caso dos servidores – ou seja, os entendimentos da polícia e do MP são diferentes.
A declinação de competência acontece quando o promotor considera que não é da sua responsabilidade conduzir o caso. Nesse caso, ele acredita que o processo deve ser encaminhado ao Tribunal do Júri – e que o inquérito policial deve ser avaliado por um promotor do Tribunal do Júri. A decisão cabe à Justiça. No entendimento do MP, é esse promotor que vai poder denunciar ou não os indiciados pelo crime. Se houver a denúncia e a Justiça aceitar, começa o julgamento dos que tiveram envolvimento no caso.
Após analisar o inquérito policial e os documentos enviados após a solicitação de novas diligências, o MP concluiu que o incêndio foi causado por uma série de falhas. Entre elas, a falta de um plano de prevenção contra incêndios, a ausência de funcionários treinados para situações de emergência e problemas estruturais, como saídas insuficientes para a quantidade de pessoas presentes no local.
A promotoria também aponta omissão das autoridades competentes e do proprietário da pousada, que não realizaram qualquer fiscalização recente nas instalações, permitindo que as condições de segurança precárias levassem à tragédia.
Além disso, o MP também responsabilizou a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) por ter colocado pessoas em situação de vulnerabilidade social nas acomodações inadequadas e por consentir a continuidade das atividades em um ambiente que oferecia condições mínimas de segurança.
“As evidências demonstram que o responsável pela pousada, o gestor e a fiscal de contrato da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), com suas condutas, assumiram conscientemente o risco do trágico desfecho do incêndio na Pousada Garoa, seja qual for a sua origem”, destaca.
Os indiciados
A polícia indiciou três pessoas por incêndio culposo com resultado de morte. Relembre na reportagem acima os indiciamentos. Foram indiciados o proprietário da pousada, André Kologeski da Silva, e dois servidores públicos da Prefeitura de Porto Alegre: o presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Cristiano Atelier Roratto, e a fiscal do contrato da pousada junto à prefeitura, Patrícia Mônaco Schüler.
O g1 entrou em contato com a defesa dos indiciados. A defesa de André Kologeski da Silva diz que "ainda persistem dúvidas sobre a possibilidade do incêndio ter sido criminoso. Por isso, estamos fazendo alguns questionamentos a autoridade policial. A defesa e o acusado estão empenhados na busca da verdade real, para que seja feita justiça"
Já a defesa de Patrícia Mônaco Schülert afirma que "após ter acesso e analisado a íntegra do Inquérito Policial, observamos que carece de muitos documentos, oitivas de pessoas e informações imprescindíveis para que realmente o fato seja esclarecido. O Ministério Público recebeu as partes e temos certeza que irá solicitar a complementação do Inquérito Policial, após manifestação da Defesa".
MP solicita novas diligências
Em 17 de janeiro, o Ministério Público encaminhou um ofício solicitando que fossem realizadas novas diligências. Além disso, o MP sugeriu que, caso os investigados considerem necessário, "dirijam novo pedido desta feita à autoridade policial, responsável por presidir o inquérito policial e conduzir as investigações".
O MP ainda pediu que o inquérito fosse remetido novamente à sua tramitação regular. Além disso, havia estipulado um prazo de 120 dias para que a autoridade policial respondesse.
O representante legal de Cristiano Atelier Roratto afirma que "acredita piamente que o Ministério Público compreendeu muito bem todas as alegações das defesas" (confira nota completa abaixo).
Durante a investigação, a Polícia Civil interrogou testemunhas, sobreviventes e envolvidos administrativamente com a pousada. Apesar de não identificar as causas do incêndio, conforme o inquérito, depoimentos coletados indicam falhas na segurança, como extintores inoperantes, falta de plano de prevenção contra incêndios (PPCI), estrutura precária e inadequada, além de relatos de negligência por parte da administração da pousada e do convênio com a FASC.
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Falta de estrutura adequada
Segundo a Polícia Civil, o prédio não se enquadra nas edificações que possuem baixo risco e, portanto, não poderia ter a dispensa do Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (APPCI), expedido pelos bombeiros. Isso porque a Garoa, localizada na Farrapos, tinha mais de 200 metros quadrados e mais de dois andares, limites estabelecidos pela lei.
Em outro entendimento da regulamentação, existiria uma brecha que aponta que o prédio poderia estar regularizado caso apresentasse, na prefeitura, um Plano Simplificado de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PSPCI). Entretanto, nesse caso, o prédio precisaria ter até três pavimentos – a unidade da Garoa que pegou fogo tinha quatro andares habitáveis.
Moradores contam que Pousada Garoa não tinha condições adequadas
Para além da documentação, a Polícia identificou que, dados o tamanho da estrutura e a atuação como hospedagem, a unidade precisaria ter saídas, sinalização e iluminação de emergências, extintores e brigada de incêndio.
Um dos hóspedes ouvido pela polícia relatou que tentou usar os extintores que encontrou no momento do fogo, mas que os equipamentos não funcionaram.
Entre os relatos, destacam-se o de moradores que descreveram a precariedade do local, com problemas como fiação irregular e condições de higiene insatisfatórias, como presença grande de ratos e baratas.
O documento também aborda a relação contratual entre a Pousada Garoa e a FASC, detalhando que a fiscalização seria insuficiente e as normas de segurança seriam descumpridas. Confira alguns trechos dos depoimentos abaixo.
Polícia não identificou causador do incêndio
Testemunhas ouvidas pela polícia e destacadas no inquérito mencionaram a presença de um homem antes do incêndio, na faixa dos 40 anos e supostamente usando uma camiseta amarela. As pessoas ouvidas relatam que ele estaria tentando entrar no prédio.
A investigação analisou imagens de câmeras de monitoramento de locais próximos à pousada, tendo encontrado um homem com as características relatadas. Mesmo assim, o inquérito não encontrou relação dele com o incêndio, já que o mesmo havia sido visto muitas horas antes do início do fogo, além de não ter sido visto entrando na pousada.
Movimentação de homens do Corpo de Bombeiros e equipes de resgate diante da Pousada Garoa, localizada na Avenida Farrapos, no centro da cidade de Porto Alegre (RS)
Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Outra hipótese levantada pela Polícia é de um possível curto-circuito, já que as condições da fiação apresentavam muitos problemas. No relatório, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) não chega a uma conclusão quanto as causas do incêndio, mas relata a precariedade da estrutura.
Ouvidos pela investigação, os bombeiros que atenderam a ocorrência explicaram que enfrentaram dificuldades devido à magnitude do fogo e à estrutura de madeira do prédio, além da falta de sinalização de emergência.
Incêndio em pousada de Porto Alegre
Reprodução/RBS TV
Confira alguns trechos da conclusão do inquérito
"Contudo, não foi possível determinar, de forma técnica e justificada, a causa do incêndio, em razão do elevado grau de destruição apresentado pelos escombros remanescentes do sinistro (...)
Não foi constatado quadro de disjuntores na área de dormitórios do 1º pavimento, estando, portanto, os circuitos elétricos deste ambiente sujeitos à proteção do disjuntor geral na caixa de medição do prédio (...)
Portanto, não é possível descartar como causa do incêndio em tela, a ocorrência de um evento termoelétrico, seja por curto-circuito ou por sobrecarga nas instalações elétricas (...)
Em suma, a morte das vítimas encontradas no local, bem como as lesões experimentadas pelas vítimas socorridas foi agravada pela ausência de efetiva rota de fuga no prédio, conforme amplamente exposto”
Relembre o caso
Um incêndio atingiu uma pousada e deixou 11 pessoas mortas, na região central de Porto Alegre, na madrugada do dia 26 de abril de 2024. O local abrigava pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O incêndio ocorreu em uma das unidades da Pousada Garoa, na Avenida Farrapos, na região central de Porto Alegre. O prédio fica entre as ruas Barros Cassal e Garibaldi, a poucos metros da Estação Rodoviária.
O fogo começou por volta das 2h30 da madrugada de 26 de abril. O fogo se espalhou rapidamente pelos quartos da pousada. Para fugir das chamas, algumas pessoas se jogaram das janelas do segundo e do terceiro andar. Os bombeiros encontraram as 10 vítimas em cômodos da pensão. Uma 11ª pessoas morreu no hospital após ser socorrida.
Local da pousada que foi atingida por incêndio que matou pessoas em Porto Alegre
g1
Nota defesa Cristiano Roratto
"Nota Oficial: Pedido Judicial para Reabertura do Inquérito da Pousada Garoa, visto fortes indícios de Incêndio Criminoso por Terceiro.
Diante das recentes alegações do Ministério Público e do contexto que envolve o incêndio na Pousada Garoa, a defesa de Cristiano Atelier Roratto vem a público manifestar-se de forma contundente. Embora reconheçamos o compromisso do Ministério Público em buscar a verdade, destacamos que os fatos apresentados até o momento demonstram graves lacunas investigativas. Há indícios robustos de que o incêndio pode ter sido resultado de um ato criminoso, envolvendo disputas entre facções rivais e atividades relacionadas ao tráfico de drogas. O depoimento de testemunhas e a análise pericial apontam para a atuação de terceiros, o que reforça a necessidade de uma apuração mais aprofundada. Tal situação já foi objeto de investigação, em outra filial da Pousada Garoa, onde tivemos a conclusão na investigação de incêndio, concluso como criminoso (doloso), fatos pretéritos que fortalecem a tese da defesa. A defesa estará protocolando requerimento formal ao juízo competente, solicitando a reabertura do inquérito policial nº 325/2024/100317-A. Esta medida é essencial para garantir que todas as hipóteses sejam devidamente apuradas, inclusive o envolvimento de um indivíduo identificado como "homem de camiseta amarela", além da análise de imagens de câmeras de segurança que podem fornecer elementos decisivos para elucidação do caso.
Ressaltamos que a tentativa de associar a responsabilidade do incêndio ao investigado, que atuava exclusivamente em funções administrativas na Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), carece de fundamentação jurídica e probatória. A narrativa apresentada pelo Ministério Público, ao ignorar os indícios de crime organizado, compromete o devido processo legal e fere o direito à ampla defesa. Por isso, reiteramos nosso apelo à Justiça para que permita a continuidade das investigações, com a realização das diligências pendentes. Somente assim será possível alcançar a verdade dos fatos e assegurar que a responsabilidade seja atribuída de forma justa e precisa.
Nosso compromisso é com a transparência e a busca por justiça, sem prejulgamentos ou distorções que possam macular a honra e a reputação de um cidadão injustamente acusado".
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